Música: O porão
(Paulo Moretti)
Perdida bala
Sem caminho segue
Sem destino, fere
A navalha crua, afiada
A luz apago
Acendo a solidão
Veneno trago
Enquanto tranco o porão
Porão que há dentro de mim
Secas lágrimas, engavetadas
Porão que há dentro de mim
Tempestades de mágoas, engavetadas
Um oásis para respirar
Uma lótus para voar
Um Nilo para navegar
Uma simplicidade para amar
Uma, duas, três e já eram quatro da manhã e caminhava em círculos para esquecer de mim mesmo, para me distrair acendia um cigarro barato com filtro vermelho, já fazia um tempo que tinha deixado o tabaco, só pensava em enlouquecer um pouco mais para buscar um sentido de existência pelos bares daquela fria noite, esperando o dia amanhecer pensamentos melhores...
Resolvi aguardar um táxi, voltar para a casa como se não tivesse acontecido, como se as duras palavras de minha mãe sobre a vida teatral que escolhi para viver, não tivesse me entristecido. Mostrar indiferença, mostrar que o meu sonho era era inabalável, apesar de estar profundamente desapontado por ela não respeitar as minhas escolhas e tentar manipular a minha vida sempre.
Eu não conseguia enxergar as estrelas. Um imenso véu escuro de nuvens cobria a face bela da lua e o céu desabava em águas. Os postes permaneciam imóveis, com suas luzes acesas, iluminando a ansiedade de meus pensamentos, pensava observando os carros que passavam sem parar: " Um dia vou abandonar essa merda de casa e viver a minha vida", mas nem sempre o que é correto está em harmonia com os sentimentos dentro de nosso coração. O pior, o espetáculo daquela noite havia sido cancelado por falta de público.
Um mendigo aproximou-se e meio constrangido me pediu cinqüenta centavos para tomar alguma coisa para aguentar o frio. O mendigo tinha quase a minha idade, expressava-se bem com as palavras eu o perguntei:
- O que faz pelas ruas? Você não tem uma familia que o espera?
- Tenho sim. O meu pai é um renomado médico e sonhava que eu fosse um grande médico igual a ele e mantivesse a tradição da medicina em nossa familia. O meu irmão caçula era um empresário bem sucedido e queria que eu me mirasse no seu exemplo. Minha mãe queria que eu refletisse sobre a história de vida de meu avô, que foi um grande negociante e começou a sua vida vendendo lençóis de casa em casa. Meu irmão mais velho envaidecia-se por escrever para um jornal muito respeitado e todos em minha casa o usavam como exemplo durante o café da manhã. E um dia fiquei pensando, que o mesmo acontecia com as pessoas que conhecia em minha vida. A professora Maria Adélia na escola, o meu mestre Fu de caratê . Todos acreditavam que eram um bom exemplo a ser seguido, como aquilo me revoltava. Ninguém me reconhecia como ser humano que tinha também desejos, necessidades, sonhos. Eu estudava artes plásticas e me internaram em um hospício por isso, minha familia achava que só poderia ser loucura, que eu tinha enlouquecido, redusiram-me a um louco um hippie sem grandes objetivos na vida, um perdedor, nada mais. Um dia resolvi partir e não olhar mais para trás, nessas ruas eu posso ser livre, eu posso ser eu mesmo.
Nos despedimos.
Voltei para casa com uma imensa força em meu coração, decidido que iria viver a minha vida da maneira que eu quisesse de agora em diante, eu era o dono de meu destino e não aceitaria mais nada que fosse-me imposto por qualquer um que seja, mesmo a minha mãe que tanto amo.
Escolhi ser um ator, amo a minha profissão e se um dia quebrar a minha cara já serei feliz por ter tentado.